quinta-feira, setembro 08, 2005

1. Fazer + por quem tem menos




Photo credit: cnvj (http://galeria.brfoto.com.br/showphoto.php?photo=676&ppuser=2845)

«Não se pode pensar a educação sem pensar a justiça social»
Carlos Alberto Torres
Universidade da Califórnia (EUA)

«A educação ajuda a mobilidade social, não tenho qualquer dúvida e quem disser o contrário está equivocado. Eu digo-o cientificamente.»
Carlos Alberto Torres

«Por que é que os mais humildes nunca mais vão poder sair do maldito círculo das aflições e carências?»
Miguel Santos Guerra



No início do ano lectivo de 2004/05, foi formado um grupo de trabalho, que nasceu no âmbito do Departamento de Línguas (entretanto ganhou autonomia e existência própria), para a abordagem do problema do insucesso escolar, para além do campo do ensino das línguas em específico, bem como para além do referido departamento e da nossa escola. Não tem fronteiras ou limites.
Fazer + é fruto de inquietude, de indagação e busca. É um projecto de reflexão e acção, congregador de vontades, partilha – colocar em comum contraria o isolamento psicológico, a alienação e o conformismo–, cooperação e construção progressiva, que ganhou autonomia e vida própria. É a criação de um espaço colectivo de criatividade, de expansão de energias e da expressão da potência máxima de vida de cada um. Sonhando para os outros, fazendo pelos outros - sem fazer em vez dos outros, note-se. Estimular e ajudar outra pessoa não é fazer em vez dela. É tão somente criar-lhe condições mais favoráveis para caminhar e desenvolver-se, com autonomia progressiva.

Por ser a educação um meio para a ascensão social, há quem procure eternizar nos sistemas educativos mecanismos de selecção e dominação (versus privilégio), com vista a uma certa ordem, reprodução, estratificação e paz sociais. A manutenção de uma espécie de sistema de castas, vedando a mobilidade social ao valorizar a proviniência social dos indivíduos em detrimento das capacidades intelectuais. O filho de agricultor seria sempre agricultor e o filho de médico seria sempre médico. Analise-se a realidade actual e chegaremos a algumas conclusões.
Daí os professores deverem compreender melhor a sua prática e intervir na formulação de políticas educativas, porque têm uma responsabilidade social profunda. O mundo e as exigências actuais exigem, mais do que nunca, uma postura activa dos docentes.
Não precisamos do professor populista ou do professor que aceita o poder estabelecido. Precisamos de um «professor democrático radical que luta pela justiça social, pela paz e pela solidariedade mundial» (CAT). E quais são as virtudes cívicas desse professor democrático radical, na construção «deste sonho possível de uma educação libertadora?» A tolerância, uma epistemologia da curiosidade, a ética da liberdade, uma espiritualidade secular do amor (não tem que estar baseada na fé ou no transcendente, “apenas” na fé na natureza humana) e o diálogo como método.

Sem hiperactividade
Como diz Rosely Saião, a «escola tornou-se hiperactiva, ou seja, sempre se vê compelida a agir freneticamente, a fazer algo, a apresentar soluções. Assim, fica difícil sustentar o seu projecto pedagógico.» O ranking de escolas e outras racionalidades... vieram acentuar esta reacção frenética, a concentração na exigência de resultados imediatos.
Estamos conscientes que a «actuação docente é um processo que leva tempo a produzir resultados.» Por isso, como refere a autora, «para o professor, para a equipa da escola, importa mais interrogar as situações que surgem confrontando-as com o que almeja o projecto da escola e com o conhecimento, do que resolvê-las. Investir no estudo teórico sistemático e na postura investigadora do professor, sem concessões às urgências do tipo "como fazer?" talvez seja o caminho mais árduo, mas o mais efectivo.»

Abordagem metodológica
Em termos metodológicos, acreditamos necessário um tratamento sistémico das questões e problemas pedagógico-educativos, em contexto, com uma visão do todo e da complexidade, porque a realidade é um «sistema de equilíbrio precário»: qualquer actuação sobre as partes produz alterações no sistema como um todo. Não cair na lógica simplista das receitas ou de medidas avulsas, desconexas, sem sustentação. E, muito pior, cair na ditadura do resultado. Do discurso da exigência pela exigência, sem procurar resolver as questões de modo a permitir que os alunos possam dar resposta e estar à altura da exigência, seja ela qual for. Embora evitando essa lógica das receitas e das leituras parciais, fazemos um esforço no sentido do discurso teórico, necessário à reflexão crítica, adquira maior concretude, quase se confunda com a prática. Procuramos ultrapassar os limites da redundância do discurso teórico e dar expressão concreta a processos de mudança reflectida.

Matriz axiológica e metas
Sem estratégia e sem rumo não faz sentido o esforço e o despender de energia do remador. Estamos em caminho, embora sem sabermos ao certo aonde vamos chegar ou dar. Não importa. O importante é fazer o caminho e lançar algumas sementes. É suficiente para fazer sentido suar no remo. Temos esperanças, mas o nosso trabalho não depende da esperança de essa acção vir a mudar ou a transformar o mundo. O prazer está em fazer algo pelos outros, neste caso por quem está em desvantagem, mesmo que muitos tentem dar como efectiva a “igualdade” de oportunidades no acesso ao conhecimento e ao sucesso escolar/educativo nas escolas.
Massificado o acesso ao ensino, embora com elevado abandono, é hora de democratizar o sucesso escolar e educativo, em referência a uma política de direitos humanos que garanta as mesmas oportunidades educacionais e de realização pessoal para todos. Mas, não é todos a fazer o mesmo. Diferenciar sem discriminar ou retirar diginidade. É nesta direcção que propomos caminhar: de uma escola pública para todos, equitativa, inclusiva, solidária, autónoma e democrática. O caminho, esse, faremos caminhando.
É urgente ultrapassar os problemas que se colocaram à educação decorrente desse factor positivo que foi a democratização do ensino. Um deles é o insucesso escolar, problema complexo e com implicações globais. Sem a pretensão de cortes radicais e sem o idealismo de mudar o paradigma educacional – e sem o condicionamento dos rankings –, tentaremos ultrapassar limitações impostas por este modelo de organização do sistema educativo e da aprendizagem. Há quem jure quem os remendos já não servem...
Recusamos o rumo da elitização, segregação e exclusão na escola, mesmo com tentativas de justificação através de pensamentos lógicos, como esse conceito de “discriminação positiva”, como se a exclusão dos já menos favorecidos pudesse ser alguma vez positiva para eles, e de aparente exigência de «rigor», «eficiência» ou «profissionalismo».

Em termos “práticos”
Procuramos práticas pedagógico-organizacionais que sejam inclusivas, documentando estratégias que possibilitem adequar melhor o processo de ensino-aprendizagem (diversificar as aprendizagens) e realizar um melhor acompanhamento de todos os alunos: 1 – dar resposta às diferentes formas dos diferentes alunos realizarem as suas aprendizagens; 2 – respeitar e adequar o ensino ao ritmo de aprendizagem de cada aluno; 3 – desenvolver competências emocionais, de autonomia e cidadania – efectivas e alargadas.
Como formar, efectivamente, o aluno como pessoa e cidadão para além do profissional? Como atender à dimensão do ser e do relacionar-se/comunicar/cooperar/solidarizar-se com os outros? Como tornar as aprendizagens mais significativas e pertinentes? Como dotar os alunos de competências essenciais para a vida e de um conhecimento mais real, efectivo, prático e significativo? Como tornar esse conhecimento relevante e dotar a sua aquisição de maior sentido, interesse e do mínimo de prazer?

Como caminhar neste sentido incluindo, sem práticas de exclusão e segregação?
Eis o grande desafio para nós educadores «democráticos radicais», com uma «consciência inquieta e crítica», com esperanças, sonhos, horizontes utópicos, que acreditam que o seu falar e o seu agir pode fazer diferença e não se cingem ao papel de operário ou técnico de instrução.


«Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.»
(Paulo Freire, pedagogo: 1996)

«Compreendemos que precisávamos mais de interrogações que de certezas.»
(José Pacheco, professor)

«A melhor maneira de construirmos um mundo melhor é encorajando as pessoas e dando-lhes as oportunidades e a confiança para se realizarem a si próprias.»
(Alexandre Quintanilha, director do Institituto de Biologia Molecular e Celular: 29 Maio 2004)

«Chega-se mais facilmente a Marte neste tempo do que ao nosso próprio semelhante. Tomemos então nós, cidadãos comuns, a iniciativa. Com a mesma veemência e a mesma força que reivindicamos os nossos direitos, reivindiquemos também o dever dos nossos deveres.»
(José Saramago, escritor: 10 Dezembro 1998)

«Quando se fala sobre a participação ou a democracia nas instituições como um direito de cidadania, não se pode esquecer que é também um dever. Na democracia temos o direito e o dever de participar. E esse direito de ser cidadão obriga-nos não só a participar mas também a exigir.»
(Miguel Santos Guerra, professor e escritor: 27 Abril 2004)

«O difícil é o que se pode fazer imediatamente, o impossível é o que leva um pouco mais de tempo.»
(António Lima-de-Faria, cientista: 23 Agosto 2003 )

«Sabemos mandar uns nos outros, sabemos obedecer, mas conviver democraticamente não sabemos bem como é.»
(Rosely Saião, psicóloga e consultora em educação: 01 de Junho de 2004)


nélio de sousa
Departamento Curricular de Línguas
Calheta, 1 de Junho de 2004 – Dia da Criança.

(Esta actualização: 18 de Julho de 2005)

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