sexta-feira, fevereiro 02, 2007

O visível e o invisível

O Fazer + é uma espécie de laboratório e oficina de conhecimento e reflexão (investigação-acção-formação), ancorado na prática do professor, com um sentido muito objectivo e prático, de actuação sobre a realidade e os problemas concretos.
Iceberg: «apenas cerca de 10% da sua massa emerge à superfície. Os demais cerca de 90% permanecem submersos.» (Wikipedia)

Apoio aos alunos
Os dois tempos da componente não lectiva de estabelecimento, por via do investimento e actividade no Fazer +, revertem em apoio aos alunos, em primeiro lugar. O Fazer + prioriza, reverte e concentra-se, sobretudo, no trabalho pedagógico com os alunos, em função do qual existe o ensino, a aprendizagem, a educação e a instituição escola.

O trabalho invisível (base do iceberg)
A hora e meia semanal, que cada professor no Fazer + tem oficialmente disponível, nem sempre chega para aprofundar pesquisas. O trabalho de reflexão, pesquisa e investigação obriga a muitas leituras e ao contacto com novas ideias, projectos e experiências pedagógicas e educativas. Sem ideias não se geram práticas. Esse trabalho é invisível, não produz acções mensuráveis e no imediato, mas consome tempo e é fundamental. Não é só o visível (dramatizado) que conta. Ficar a pensar o que já se sabe e conhece leva sempre ao mesmo e não à melhoria ou evolução. Não permite atacar o insucesso escolar, um problema real e concreto, que não é, no entanto, resolvido apenas pela acção pedagógica. Além dos professores, há mais agentes e factores a condicionar e a actuar no processo de ensino-aprendizagem, embora não fisicamente presentes na sala de aula. Novamente, não só o visível que conta. Muitas vezes, o que não se vê até conta mais. A sociedade actual parece apenas dar importância ao que se vê e toca, medindo tudo pela quantidade de produtos fabricados. Os resultados visíveis são importantes, mas não surgem espontaneamente. É preciso espaço para a preparação e construção dos alicerces.

Investigação-acção em cooperação
A investigação, a criação de materiais, a aplicação de novas metodologias, de novos instrumentos de avaliação, entre outros aspectos, não fazem parte do trabalho normal do docente? Deveria fazer. Mas não faz. Se os docentes já não tinham tempo para investigar, com a actual multiplicação de reuniões, em horário pós-laboral, de tarefas burocráticas e redução significativa da componente não lectiva do professor, esse tempo para investigar é mais impossível. Se não investiga não terá nada de substancialmente novo para aplicar. Os professores não investigam porque é tudo consumido pela preparação diária da actividade lectiva e actividades de avaliação. Daí o Fazer + constituir um espaço de recuperação de um pouco desse tempo, para reverter em apoio e mais valia para os alunos. E quem diz alunos diz escola. Por exemplo, a questão da avaliação começou a ser pensada com mais profundidade depois de reflectida e abordada por professores envolvidos no Fazer +.
Porquê enquadrar num projecto o esforço de investigação e inovação? Para conjugar e rentabilizar esforços num colectivo cooperante, de forma a ultrapassar as limitações do trabalho cada vez mais solitário e individualista dos docentes.

O trabalho visível (ponta do iceberg)
Embora não esteja focalizado na espectacularidade ou visibilidade exterior, o Fazer + acaba por, numa consequência natural, reverter e ser visível para a comunidade educativa (além dos alunos, está claro, dos docentes envolvidos no Fazer +), na sua filosofia de partilha de ideias e práticas educativas – de forma fundamentada mas sem qualquer imposição a quem quer que seja –, através de eventuais acções de formação, encontros, debates e outras iniciativas na nossa escola ou fora dela, além desse instrumento de divulgação que constitui a página electrónica (www.fazermais.blogspot.com).

Se aplicada a lógica contabilística
Se resumirmos tudo à contabilidade e ao controlo que o sistema de ensino português quer exercer sobre os professores, como se aí estivesse a solução para os problemas, chegamos ao seguinte: para este trabalho no Fazer +, os docentes envolvidos contam com 1 hora e 30 minutos semanais (2 tempos), que perfaz 6 horas mensais, das quais 1,5 horas destinam-se à reunião mensal e 4,5 horas para todas as outras actividades. Em 9 meses (todo o ano lectivo) somam-se 40,5 horas de actividade geral para cada docente do Fazer+ e 13,5 horas consumidos pelas reuniões mensais. 40 horas é praticamente uma semana de trabalho. 13,5 horas são dois dias de trabalho. Conclusão: só a actividade do 1º Período demonstra que o tempo disponível foi amplamente ultrapassado, isto é, os docentes acabaram por investir no Fazer+ tempo pessoal. Se os docentes se ficarem pela contabilidade e se limitarem a cumprir os 90 minutos semanais, trabalharão menos. Eis a perversidade de contabilizar-se e controlar-se cada segundo da vida (horário de trabalho) do professor...

(Parte do relatório síntese de auto-reflexão para apreciação em Conselho Pedagógico da escola, para além da enumeração das actividades, feita em separado, em Janeiro de 2007)

NOTA
A respeito da aprovação e regulamentação do novo Estatuto da Carreira Docente (2007), Mário Nogueira diz algo que ajuda a perceber o que acima se disse sobre a ausência de espaço e tempo para o professor reflectir, investigar, inovar, preparar a actividade lectiva e ainda a pressão sobre a já reduzida componente de trabalho individual do professor:

«A ministra da Educação e os outros responsáveis do ME deixam passar a ideia que o professor não tem que preparar nada, não tem que reflectir, não tem de corrigir coisa alguma, não tem que pensar e avaliar o seu próprio trabalho (além do trabalho dos alunos) - o professor só tem que ir até às 35 horas. E haver uma componente não lectiva até parece um cedência do Ministério...» (RCI Informação - Fevereiro 2007).

Por outras palavras, é como se apenas contasse o trabalho visível (ponta do Iceberg) na sala de aula com os alunos, como se a qualidade desse trabalho visível fosse algo que nascesse e surgisse de modo espontâneo, sem necessidade de investigação, reflexão ou preparação prévias.

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