quinta-feira, novembro 17, 2005

9. Exames (1)

Ilustração: Roxanna Bikadoroff
EXAMES NÃO SÃO INSTRUMENTO DE APRENDIZAGEM
A avaliação dos alunos não é um instrumento de aprendizagem. Não é nos testes ou nos exames que os alunos aprendem. É nas aulas, é no dia-a-dia, com acompanhamento, com trabalho, com empenho, com motivação.

Os testes ou exames escritos são um instrumento burocrático e limitado de avaliação, num determinado momento, de uma parte dos conhecimentos escolares, adquiridos pelos alunos. Como se sabe, depois do momento de aplicação do teste ou exame não significa que a retenção desse conhecimentos se mantenha. É apenas a forma mais fácil de avaliar todos ao mesmo tempo como se fossem um só. Mas, avalia-se pouco. Privilegia-se a cognição, os conhecimentos memorísticos e a memória a curto prazo - interessa, acima de tudo, saber no momento do exame. A aplicação concreta dos conhecimentos, na vida, é secundarizado pelo exercício teórico (de demonstração teórica, no papel) do que se sabe. Avaliam-se, basicamente, as inteligências linguística e lógico-matemática. As restantes inteligências, capacidades, talentos e competências não se avaliam. É só um tipo de sucesso que conta: o escolástico. É só um aspecto da inteligência que conta: o cognitivo.

EXAMES NÃO RESOLVEM OS PROBLEMAS EDUCATIVOS
Há quem veja nos testes e exames a solução milagrosa para qualquer problema na educação, o que é demasiado fácil e superficial para ser verdade.

EXAMES NÃO RESOLVEM O INSUCESSO OU ABANDONO ESCOLAR
Há que prevenir e resolver o insucesso escolar/educativo todos os dias, em vez de o tentar remediar (ou camuflar por eliminação) no dia do exame. Ter estratégias educativas que garantam mais oportunidades de sucesso a todos os alunos é mais trabalhoso e dispendioso do que fazer um exame no final do ano ou ciclo. Exige, sobretudo, outra atitude, outra mentalidade, outra postura.

Resolver o insucesso excluindo os filhos do insucesso nada resolve. Há que optar por estratégias pedagógicas inclusivas e diferenciadas, relativamente às quais os exames são uma antítese. Os exames externos condicionam as práticas pedagógicas: encorajam as práticas conservadoras/selectivas e desencorajam as práticas progressistas, integradoras, mais democráticas e criadoras de maior igualdade de oportunidades. Desencorajam o vanguardismo pedagógico, a mudança, a evolução.
A educação é, por natureza, um olhar para o futuro, um acto de livre pensar.

A aferição do nível dos conhecimentos escolásticos de todos os alunos do sistema pode fazer-se de outras formas. A avaliação aferida é exemplo. A avaliação interna é outra possibilidade.

EXAMES EXTERNOS É REGRESSO AO PASSADO, À ESCOLA SELECTIVA DE ELITES E DA REPRODUÇÃO SOCIAL

Da escola de alguns, da elite burguesa e aristocrática, "passou-se" à escola de e para todos (incluindo os feios, porcos e maus, como gosta de dizer Sérgio Niza do Movimento da Escola Moderna).
Ora, em vez de o modelo de ensino ter-se alterado e acompanhado essa grande mudança (democratização) na escola de alguns para a escola de e para todos, procura-se conservar a todo o custo, de forma reaccionária muitas vezes, um modelo de ensino e educação como se ainda estivéssemos no século XIX, na escola de alguns poucos. É uma resistência à democratização do ensino, à igualdade efectiva de oportunidades, à mobilidade social, à conquista progressiva do sucesso para todos na escola.

O uso do termo massificação de forma negativa em lugar da palavra democratização (do ensino) é ilustrativo. A democratização trouxe grande desafios e as elites queixaram-se logo da perda de qualidade, do nivelamento por baixo. Pudera. Num país com tanto atraso e analfabetismo queriam-se milagres de uma hora para a outra? Por que razão não se introduzem os factores que poderiam elevar a qualidade do sistema para todos na escola pública? Por que razão se teima nas estratégias e receitas da escola de elites do passado? Por que se resiste tanto à mudança de paradigma? Os exames não resolvem esse problema, apenas o escondem porque os filhos de insucesso são excluídos.

Não basta todos irem à escola para haver igualdade de oportunidades. A igualdade de acesso ao espaço físico da escola não é igual à igualdade de oportunidades para aceder ao sucesso escolar e educativo nessa mesma escola.

EXAMES CONTRADIZEM A AVALIAÇÃO CONTÍNUA E FORMATIVA
No ensino básico a principal modalidade de avaliação é contínua e formativa. Os exames externos obrigam os docentes a trabalhar para os exames, com consequências pedagógicas, nomeadamente na avaliação.

EXAMES NEGAM PRINCÍPIOS DA ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA
Os exames externos, pelo seu carácter selectivo e não inclusivo , contradizem os princípios e objectivos da escola obrigatória. Ao não resolver-se o insucesso dos alunos (castigar com retenção nada resolve nem estimula quem tem poucas oportunidades e carrega com uma situação socico-económica e cultural desvaforável) aumenta-se o abandono escolar. Os exames detectam certo tipo de anomalias, mas não as resolvem. Para detectar anomalias nas aprendizagens (aquela parte das aprendizagens que os exames avaliam) bastava a avaliação aferida.

PARA QUE SERVEM ENTÃO OS EXAMES EXTERNOS?

- reter alunos, aumentar o insucesso e abandono escolar?

- aferir as notas da avaliação sumativa interna das escolas?

- elaborar rankings?

- avaliar professores pelos resultados dos alunos?

- transmitir à sociedade em geral que estamos a fazer alguma coisa?

- satisfazer o senso comum que pensa ter nos exames externos a solução para os problemas educativos?

- agradar a uma classe média profissional que não deseja tanta concorrência para o futuro dos seus filhos?

- criar a ideia (embora falsa) de melhor qualidade no sistema de ensino face à eliminação dos "maus" alunos, como se o sucesso de uns só pudesse existir com o insucesso dos outros?

- descartar a opção de procurar a qualidade na escola para todos, sem excluir ninguém?

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