domingo, janeiro 25, 2009

Não me conformo

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Na tomada de posse, no dia 20 de Janeiro, de Francisco Queirós
como director da Escola Secundária de Paredes (texto completo aqui):


«A verdade é que este não é um tempo para faltas, omissões ou cobardias. Basta os que – porque estão doentes ou porque estão velhos– já solicitaram a sua resignação, aliás, justa e merecida.

Por mim, não me conformo com a falta de autonomia da escola pública e com esta tradição secular de obediência submissa que faz vergar os joelhos e perder altura; Não me conformo com os discursos macios que querem encher a escola de objectividade, de mensurabilidade e deconstrangimento; Não me conformo com os programas disciplinares malfeitos e com as disciplinas que são só áreas curriculares e não têm programas; Não me conformo com a concorrência desleal dos cursos por equivalências ou por competências, que se concluem num par de semanas;

Não me conformo com o número esmagador de 17 disciplinas dos alunos do ensino básico; Não me conformo com uma escola de falsas ilusões que não promove a cultura, nem o método, nem o rigor, nem a exigência, nem a disciplina, nem o trabalho; Não me conformo com as actividades de recreio que infantilizam os alunos, confundem os pais e diminuem os professores, e são desonestamente conhecidas como aulas de substituição; Não me conformo com a lei do subsídio que distingue os alunos à porta da cantina pela cor do bilhete que exibem; Não me conformo com o estatuto do aluno nem com direitos associativos e reivindicativos de crianças com 10 anos de idade;

Não me conformo coma maré viva de dinheiro arrastado pelo ensino profissional a troco deaprendizes incompetentes e de estatísticas balofas; Não me conformocom um sistema competitivo perverso de acesso ao ensino superior que distribui de forma igual a angústia pelos filhos e pelos pais; Não me conformo com a avaliação do desempenho dos professores porque abjuro aavaliação do desempenho dos pais; Não me conformo com o estatuto da carreira docente que separa, divide e afronta os professores; Não me conformo com os pais que não reconhecem o trabalho supletivo excepcional da maioria dos directores de turma;

Não me conformo com o vencimento ofensivo que o Estado paga aos funcionários administrativos e aos auxiliares educativos; Não me conformo com a quota de 5% de excelentes na avaliação anual dos funcionários nem com os efeitos práticos dessa avaliação – um aumento líquido de 17 euros para 3 anos consecutivos de classificação excelente; Não me conformo com um sindicato manso que não reage à despromoção do vínculo laboral dos funcionários públicos que perderam no dia 1 de Janeiro de 2009 a nomeação definitiva que os ligava ao Estado;

Não me conformo com a falta de qualidade dos transportes escolares; Não me conformo com o frio regelado das nossas salas de aulas; Não me conformo com uma escola sem balneários individuais que protejam a intimidade dos alunos; Não me conformo com uma escola sem posto médico e com quartos-de-banho medievais; Não me conformo com a falta de condições de trabalho dos professores; Mas também não me conformo com a requalificação escolar, se o preço a pagar for o do ajuste directo até 1 milhão de contos;

Não me conformo com a escola a tempo inteiro – espécie de entidade adoptante afectiva que absorve o tempo e o direito dos pais a estarem com os filhos; Não me conformo com o fim da gestão democrática das escolas e deixo aqui o compromisso público de renunciar ao lugar de director da escola se a maioria dos professores reclamar um exercício incompetente.

Não me conformo com o dia do prémio do diploma porque a escola não presta tributo ao dinheiro mas aos anjos da catedral de Chartres; Finalmente, não me conformo com a avaliação dos professores porque depende de um "perfil ideal de aluno"e eu acredito que a liberdade tem asas de oiro.»

José Matias Alves acrescentou outros inconformismos, outras posturas do não me conformo, que não podem ser esquecidas:

«Não me conformo com a incompetência profissional de alguns docentes que são o desprestígio de toda uma classe; não me conformo com a falta de ética profissional e com o descompromisso em relação aos alunos mais necessitados da acção docente; não me conformo com algumas aberracções pedagógicas que comprometem irremediavelmente as aprendizagens dos alunos; não me conformo com as atitudes caninas de um número indeterminado de professores; não me conformo com a impunidade de muitas práticas parentais de abandono; não me conformo com a não assumpção plena dos espaços de liberdade que existem em alguns domínios organizacionais e pedagógicas; não me conformo com a escola pouco pública (que promove a indústria das explicações, com a exclusão dos alunos, com a rejeição dos saberes necessários à vida; não me conformo com as posturas do rebanho que são o contrário da solidariedade activa e da entreajuda profissional; não me conformo com a confusão conceptual e o apelo da demagogia...»

Também tenho os meus inconformismos... que acrescento aos de cima:

Não me conformo ainda com quem invoca os casos de mau profissionalismo de «alguns docentes», no sistema, para justificar os males do ensino e justificar uma postura desculpabilizante (complacente) face às responsabilidades de outros actores no processo de ensino-aprendizagem.

Não me conformo com a ideia de que esses alguns casos de incompetência de «alguns docentes» sejam usados para justificar a generalização da indisciplina, da atitude negativa dos estudantes perante o trabalho intelectual (escolar) e o abandono do rigor e do esforço nas escolas.

Não me conformo como a tentativa de justificar, com o caso de «alguns docentes», os maus resultados escolares de toda uma Região ou país, que colocam Portugal entre os piores da Europa. Esses «alguns docentes» teriam de ter um poder enorme para condicionar todo um sistema de ensino, toda uma sociedade... Contudo, esses alguns incompetentes não justificam tantos maus resultados. Tanta indisciplina estudantil. Tanta ausência de rigor e trabalho estudantil nas escolas. Há outros actores responsáveis.

Não me conformo com a tentativa de atribuir à acção pedagógica e à liderança das turmas por parte do professor as responsabilidades mais importantes para explicar a indisciplina e a atitude negativa (desvalorização) generalizadas dos alunos perante as tarefas escolares. É o mito de que a disciplina na escola e na sala de aula está apenas (ou sobretudo ou em boa parte) dependente do professor, inclusive quando é deixado sozinho - sem autoridade, sem base para a acção disciplinar, num ambiente de impunidade, em que são os alunos que mandam. «Os professores são deixados sozinhos e sem meios sobre a indisciplina crescente» diz Daniel Sampaio (revista Pública 4.1.2009).

Não me conformo com a ideia cómoda, mas igualmente utópica, de que a pedagogia e o professor podem, por milagre, fazer aprender quem não trabalha, não estuda, não valoriza o saber. Como se a motivação fosse sempre exterior ao aluno. Como se o professor fosse um semi-deus e pudesse mudar o mundo a partir da sala de aula e criar, por milagre, um aluno (homem) novo.

Não me conformo com o facto de se achar normal que o aluno de classe média / média alta / alta trabalhe e seja disciplinado nas escolas privadas e que, ao aluno das classes baixas, não seja exigido trabalho, rigor e disciplina nas escolas públicas. Como se a escola pública tivesse de ter pior qualidade, como se bastasse assim para os pobres (os feios, porcos e maus, no dizer de Sérgio Niza). Para o filho do médico, é preciso exigência. Para o filho do operário, basta carinho, reforço positivo, compreensão, complacência e desculpabilização, quando não lhe apetece estudar ou comportar-se, porque tem problemas culpa da sociedade e não tem motivação.

Não me conformo que não se perceba que o laxismo e facilitismo na escola pública significa exclusão social e nunca inclusão, por não preparar bem quem mais precisa de saber e de adquirir competências. Com o discurso do coitadinho e com paninhos quentes rouba-se a esses alunos de classes desfavorecidas a única hipótese de ascenderem socialmente, isto é, de saírem do buraco onde nasceram.

Não me conformo que haja quem leia (abusivamente) nestas denúncias e inconformismos a desresponsabilização dos professores ou a defesa da incompetência, falta de ética, descompromisso profissional ou atitudes caninas de «alguns docentes».

Por fim, não me conformo com a ditadura de determinado status quo ou pensamento politicamente correcto (assentes numa determinada lógica de natureza ideológica), que sustenta a permissividade, o laxismo e o facilitismo, encarados, por vezes, como algo natural como o ar que respiramos. Que vê na disciplina uma ditadura, mas que fecha os olhos para a ditadura da indisciplina, da falta de trabalho e do descompromisso estudantil face à aprendizagem e ao saber. Como se isso não determinasse mais os resultados escolares, para além da tal incompetência de «alguns docentes».

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