quinta-feira, setembro 20, 2007

Insucesso escolar vem de longe 1

Alguém terá dúvidas quanto ao peso do contexto socio-cultural da sociedade madeirense (e da sociedade portuguesa no seu todo) nos níveis de insucesso e abandono escolares?

Todos os intervenientes partilham a sua quota parte de responsabilidade, mas muitas vezes esquecem-se os factores menos visíveis e, sobretudo, sem rosto, que não podemos personalizar e exigir contas. Que custam mais a mudar do que edifícios e recursos humanos.

O contexto socio-cultural da sociedade madeirense (e da sociedade portuguesa no seu todo) é um factor crucial:

Baixas (ou ausência de) qualificações, conservadorismo, insularidade, ruralidade, chagas sociais como o alcoolismo, a violência doméstica ou bolsas de pobreza e analfabetismo (o clássico e o funcional), poucos estímulos para a disciplina, treino, rigor e amadurecimento do raciocínio, escassa cultura de trabalho (empenho), desvalorização do saber, da escola e da actividade intelectual, desigualdade de oportunidades, nivelamento por baixo, não privilegiar nem reconhecer da competência, domínio do tráfico de influências em lugar do mérito no acesso ao emprego e à mobilidade social, entre outros.

As duas notícias do Diário (2Fev2005 e 23Ago2007), que aqui se reproduzem (por favor, clicar sobre as imagens para ler), espelham bem os efeitos que o background socio-cultural tem nos resultados escolares das novas gerações.

Por isso, na Madeira, não haverá milagres quanto aos valores do insucesso escolar. Há um atraso que leva tempo a recuperar. No Reino Unido ou no Canadá estudou-se, identificou-se e encarou-se esse factor socio-cultural no desempenho escolar.

Muito já se tem feito, mas levará mais algumas décadas. A evolução acontecerá com políticas ou programas mais adequados (incisivos) para superar as especificidades da realidade socio-cultural geradora de insucesso educativo e com a persistência do investimento nas pessoas.

Simultaneamente, há uma revolução socio-cultural e cívica que falta acontecer na Madeira, para que esse contexto socio-cultural se transforme. Somos uma sociedade acanhada, padecendo de vários males endémicos.

Não é só a escola que transformará tal contexto. Mas pode ajudar se a deixarem. Se cuidar de prevenir o insucesso escolar em vez de, sobretudo ou apenas, o remediar. Se evitar que os nossos jovens escorreguem para o insucesso.

Cuidar de arranjar umas vias paralelas (currículos empobrecidos) para pôr fora da escola e das estatíticas os filhos do insucesso escolar não resolve o problema de fundo e não prepara as pessoas para a vida, que vai muito além da actividade profissional.

O desenvolvimento de competências para a vida é mais do que instruir ou treinar para uma profissão técnica de cariz manual, na «crença de que os pobres gostam mais das expressões motoras e artísticas do que da actividade intelectual», como refere Sérgio Niza.

A responsabilidade é de toda uma sociedade, em que se inclui a comunidade escolar, é claro, da qual fazem parte os profissionais da pedagogia (professores). Todavia, as raízes do insucesso escolar são mais profundas e abrangentes do que uma análise superficial descortina.
NDS

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