domingo, novembro 25, 2007

Condições de trabalho

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«...Nem a Bíblia, nem os profetas – nem Freud, nem a investigação – nem as relações de Deus ou dos Homens – podem ganhar precedência relativamente à minha própria experiência directa.»
C. R. Rogers

Os exames e os rankings medem o que podem medir. Deixam de fora outras variáveis mais subjectivas e de difícil medição contabilística, comparam realidades que não se podem comparar, mas não se pode dizer, no oposto, que nada mostram e nada valem. Valem o que valem. Mostram pelo menos, que há diferenças entre duas regiões insulares como a Madeira e os Açores. A Madeira fica para trás, infelizmente, em relação a outras realidades insulares e do interior do país. É preciso ver o que se passa.

É triste que tenha sido preciso este mecanismo, e não a avaliação interna, devidamente contextualizada, a fazer o sistema e as escolas agirem no sentido de minimizar certas causas e sintomas do insucesso escolar, naquilo que está ao seu alcance. Não se pode, por exemplo, exigir às escolas que resolvam os problemas sociais, culturais e económicos da sociedade.

A Esquerda gosta de justificar o insucesso e abandono escolar apenas a montante: nas causas socio-económicas e culturais. As crianças e jovens não têm responsabilidade no seu insucesso escolar e a justificação está no contexto, é-lhes exterior. Detém-se no factor social e identifica-o como a causa dos resultados escolares e educativos. O papel do indivíduo, a sua vontade pessoal, é menosprezada. Tem um peso relativo.

É bom haver uma atitude compreensiva quanto às condicionantes externas ao indivíduo, mas não cair na desculpabilização e no laxismo. No deixar andar até que se resolva espontaneamente... ou colocar o ónus apenas sobre o professor, que resolve tudo sozinho, isolado na sua sala de aula, em exclusão. A exclusão se for para o professor já pode ser?... Já é positiva?...

A Direita detém-se mais nos factores da disciplina e do trabalho. Na acção do próprio indivíduo. Nos factores intrínsecos ao indivíduo. Relativiza os factores externos, como o contexto socio-cultural, no sucesso escolar e educativo da pessoa.

Como me disse José Augusto Fernandes, nós somos 100% o nosso património genético, 100% a educação que tivemos, mas somos, sobretudo, o que fazemos com essas duas componentes. Concordo. O indivíduo tem uma palavra a dizer e um papel no seu próprio destino. Não é um mero joguete do destino e do contexto socio-cultural.

Durante muito tempo, pensei que a variável socio-cultural tinha um peso esmagador no sucesso ou insucesso escolar. Era uma justificação cómoda para tudo, que dava imenso jeito. A realidade mostra que, afinal, não é bem assim. A variável socio-económica e cultural tem o seu peso e condiciona. Ninguém o nega. Mas há outros factores.

Não estou nem com a Direita, nem com a Esquerda no que toca à explicação do insucesso escolar. Cada qual tem a sua razão, parcialmente. Estou convencido que é preciso actuar em múltiplas frentes, em simultâneo. A montante e a juzante, nas causas e nos sintomas, ao nível dos factores intrínsecos e extrínsecos ao indivíduo.

A disciplina e o trabalho individuais são dois factores nucleares para o sucesso escolar. São as condições base do trabalho numa escola, seja do aluno, seja dos professores. Seja escola pública ou privada. O contexto socio-cultural do indivíduo não deve relativizar esses factores. Este contexto social tem o seu peso, que não deve ser dramatizado e amplificado ao ponto de justificar a inércia e o laxismo individual.

Os jovens estão na escola para estudar e trabalhar. Não se dispense o seu papel. Se tem problemas, a escola pode e deve ajudar a minimizar naquilo que está ao seu alcance, com a colaboração de outros actores, como os encarregados de educação ou técnicos sociais e de saúde.

Se existir trabalho e disciplina, as desvantagens socio-culturais podem ser muito esbatidas. Agora, quando existe uma cultura de laxismo, de indisciplina e ausência de empenho, não há milagres. Não há pedagogia que faça milagres se os alunos não estudam e se não há um ambiente propício ao processo de ensino-aprendizagem, isto é, com uma atitude favorável ao trabalho intelectual. Cada vez mais acredito, a partir da realidade em que me movimento, que a ausência de trabalho e disciplina (e a consequente não centralidade nas aprendizagens), mais do que tudo o resto, está a colocar a escola pública numa profunda crise.

Estou mais convencido que a disciplina e o trabalho fazem maior diferença entre privado e público do que o factor socio-cultural. Dizer isto choca a Esquerda.

Dou o meu exemplo: fiz o 5º ano num colégio privado. Não era filho de uma classe favorecida social, cultural e economicamente, mas obtive bons resultados. Quando passei para a escola pública, "disseram-me" que podia deixar para trás duas disciplinas e assim fiz até ao nono ano. Deixei de ter as referências de exigência que tinha, os tempos de estudo, a pressão para trabalhar mais. Em casa pediam-me para passar. E correspondia a essas expectativas. No colégio pediam-me para trabalhar muito e passar a todas as disciplinas. Correspondi a essas expectativas enquanto lá estive. Só vim a ter boas notas no 12º ano e na Universidade, quando a minha responsabilidade individual veio ao de cima. Quando trabalhei duro.

Era mais feliz no colégio, ainda por cima em regime de internato? Claro que não. Na escola pública pude brincar mais, ser "mais livre", mas também trabalhar menos e ser menos disciplinado. Se eu passava sem estudar para que raio iria estudar? Limitava-me a rever umas coisas na véspera do teste e a depositar o mínimo para passar. A criança resiste à disciplina e ao trabalho. Porque custa. Mas, os adultos, têm de fazer o seu papel e preparar as crianças para a realidade da vida.

Como disse a professora Andreia Carvalho, no 29º Congresso do Movimento da Escola Moderna, em Julho último, o «caminho do facilitismo não é opção porque o mundo não é assim

Todavia, a Esquerda lida mal com o ensino privado, sinónimo de elitismo, de burguesia, de selecção social. Eu estive um numa escola privada e não era burguês. Há colégios privados que acolhem gente de diferentes classes e origens sociais. É claro que os indisciplinados ou mudam de atitude ou os expulsam (e acabam na escola pública - sobre a selectividade social de que se acusa o privado, falarei da selectividade social também na escola pública, noutro post, em breve). Mas, não se esqueça que há muitos indisciplinados que mudam de atitude e se tornam bons estudantes no privado. Não são todos expulsos. Não se generalize para dar a impressão que o privado não sabe lidar com a indisciplina e não sabe integrar as pessoas. E nem sempre apenas pela via da repressão.

O que eu sei é que na escola pública há muitos indisciplinados (mesmo que camufladamente). Na prática colocam em causa o direito à aprendizagem de todos os outros alunos da turma, não sofrem a pressão (disciplinadora e integradora) para mudar de atitude, como no privado, mas também muitos desses jovens indisciplinados nunca se tornam bons estudantes.

Alguns acumulam histórias de insucesso e acabam por abandonar a escola pelo seu próprio pé, depois de deixar um rasto de indisciplina e violarem o dever, por vezes durante anos a fio, de «reconhecer o direito à educação e ensino dos outros alunos» inscrito no Decreto Legislativo Regional nº 26/2006/M de 4 de Julho de 2006 (Estatuto do Aluno), que derrama princípios da Constituição da República Portuguesa e da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O laxismo e o facilitismo podem ter uma acção de exclusão, discriminação e marginalização das pessoas mais forte do que a disciplina e o rigor. O acto disciplinador e até a sanção justificada podem ser inclusivas. Um aluno que sai da escola para a vida sem competências sociais e escolares está a sofrer uma dupla discriminação e marginalização. Passa-se o sinal, na escola, que na vida real não há regras e consequências.

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