sábado, novembro 10, 2007

Insucesso escolar vem de longe 2

As duas notícias a preto e branco do Diário de Notícias da Madeira(2Fev2005 e 23Ago2007), já tinham sido objecto de reflexão neste espaço.

Desta vez, no âmbito da mesma temática, reproduzimos uma outra notícia (recorte colorido da Revista Mais do Diário de Notícias da Madeira 04Nov2007), que volta a fortalecer a nossa tese dos efeitos que o background socio-cultural tem nos resultados escolares das novas gerações.

As três notícias (por favor, clicar sobre as imagens para ler) chegam de três diferentes comunidades de emigrantes portugueses: Canadá, Inglaterra e Suiça. E todas apontam para a mesma evidência, todas tratam, fundamentalmente, do mesmo problema. E suportado por estudos desses países de acolhimento, que subentendemos credíveis.

A dura realidade transmitida pelas notícias:

«Os alunos portugueses na Suiça obtêm os resultados escolares mais baixos entre as comunidades estrangeiras».

«A comunidade portuguesa no Canadá é uma das comunidades étnicas com maiores taxas de abandono e subescolarização

«Entre as minorias étnicas, as crianças de origem portuguesa são aquelas que têm os piores resultados escolares», na Inglaterra (área de Londres).

Tanto cá dentro como lá fora, os maus resultados são uma constante. Ou é do malho ou é do malhadeiro, já diz o ditado popular. Por outro lado, estudantes oriundos dos países de Leste conseguem obter sucesso nas escolas portuguesas. Para estes, os docentes portugueses já passam a ser competentes e a pedagogia eficaz...

Face à actual realidade socio-cultural da nossa sociedade e da escola pública, ainda por cima com o ataque sistemático aos professores, às condições de aprendizagem nas escolas e o desinvestimento na Educação, dificilmente saímos deste contexto de crise. Os resultados só "aparecem" com truques perversos e politiqueiros para mascarar os níveis de abandono e insucesso escolares do país.

As perspectivas do trabalho docente são muito duras para os próximos anos. Os professores, sem condições de trabalho (disciplina e empenho de quem aprende), carregam a missão de, sozinhos, a partir da sala de aula e com a pedagogia em riste, resolver tudo por magia, mesmo as condicionantes da realidade socio-cultural que os ultrapassa. Ainda por cima debaixo de uma crítica sistemática e uma acentuada desvalorização social e laboral. Tirem-nos deste filme...

Se parece evidente, do nosso ponto de vista, que o contexto socio-cultural em que vivem os portugueses ajuda a determinar a pouca valorização e investimento na Educação/Qualificação, devemos ressalvar o seguinte:

Não aceitamos responsabilizar esse caldo socio-cultural por todos os males do país. Recusamos justificar a inacção e a irresponsabilidade individuais, transferindo as culpas apenas ou basicamente para a esfera social. Estamos cansados da cantiga do costume de culpar a sociedade por tudo o que de mal acontece aos indivíduos. O contexto social tem o seu peso, mas o indivíduo tem uma palavra a dizer e um papel a desempenhar no superar desses obsctáculos.

Sabemos que as baixas (ou ausência de) qualificações, insularidade, ruralidade, chagas sociais como o alcoolismo, a violência doméstica ou bolsas de pobreza e analfabetismo (o clássico e o funcional), os poucos estímulos para a disciplina, treino, rigor e amadurecimento do raciocínio, a escassa cultura de trabalho (empenho), a desvalorização do saber, da escola e da actividade intelectual, a desigualdade de oportunidades, o nivelamento por baixo, a não valorização de nada além do horizonte futebol-bar-sobrevivência, o não privilegiar nem reconhecer da competência, o domínio do tráfico de influências em lugar do mérito no acesso ao emprego e à mobilidade social, entre outros, tem o seu peso no insucesso escolar numa sociedade como a madeirense, em particular, ou a sociedade portuguesa, no seu todo.

Todavia, não se desresponsabilize o indivíduo, que não é um mero joguete do destino e do contexto socio-cultural, sem acção ou vontade próprias. Para citar José Augusto Fernandes, nós somos 100% o nosso património genético, 100% a educação que tivemos, mas somos, sobretudo, o que fazemos com essas duas componentes.

Isto é, cada um de nós tem uma palavra a dizer e um papel a desempenhar no seu próprio destino. Tem um potencial transformador. Independentemente das dificuldades e do ponto de partida. É preciso ir à luta e fazer alguma coisa pela vida, em vez de esperar que tudo caia do céu. Que o pai, o professor, o governo, Deus ou outra entidade exterior resolva todos os problemas. A autonomia e a autodeterminação individuais servem para quê?

Para alguns é mais fácil a vida, sabemos. Mas, se houver trabalho e empenho, as limitações do ponto de partida e os obsctáculos no caminho podem ser vencidos. Não se justifique a inércia e a desistência apenas pelas dificuldades e problemas sociais ou pessoais de cada um.

A escola pública tem de dizer basta e recusar ser votada ao babysitting e ao entretenimento, à indisciplina e ao pouco trabalho, alienada da realidade, que satisfaz cidadãos irresponsáveis, sem consciência do peso do conhecimento e da consequente impreparação do país para os desafios da economia global, quer se goste ou não do rumo dessa economia.

Como me disse ontem o meu amigo Kris, professor americano na Madeira, «these people will be run over by a train of reality». Não diria melhor. Venha a injecção de realidade quanto antes.

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