Há aspectos de bom senso e consensuais quanto à Educação, que deveriam nortear uma sociedade, embora se possam colocar em prática, de forma diferente. Conforme as sensibilidades ideológicas. É uma banalidade dizê-lo, mas a verdade nunca está só de um lado.
Sabemos que o modelo de escola está ultrapassado. Que é preciso mudar mais do que introduzir pequenas inovações. Mas, enquanto a mudança e a vontade política de mudança não chegam, a escola tem de funcionar. Enquanto o modelo pedagógico dominante é o método simultâneo (ensinar a todos ao mesmo tempo e da mesma maneira como se fossem um só) e não um modelo de diferenciação pedagógica, capaz de respeitar os ritmos e formas de aprendizagem de cada criança ou jovem, a escola tem de funcionar.
Não me parece que princípios como o trabalho e a disciplina (como parte do processo de ensino-aprendizagem do ser social) deixem se ser necessários a qualquer escola ou pedagogia novas.
Os caminhos para lá chegar podem variar (e conjugarem-se, porque não há só uma solução), mas têm de ser uma realidade no espaço de aprendizagem, seja na escola como a conhecemos ou noutra. Aliás, quanto mais autonomia e liberdade na aprendizagem, mais responsabilidade e disciplina pessoal são necessárias a quem aprende.
Quanto à disciplina individual, é um aspecto que deveria ser inquestionável e nunca menosprezado no processo de aprendizagem, seja na escola tradicional (tipo fábrica) ou numa escola com um modelo alternativo como a famosa Escola da Ponte, na Vila das Aves (Porto), uma escola pública.
A disciplina é uma condição básica para a aprendizagem. Vem uma parte de casa, outra parte da vontade pessoal do indivíduo ou cidadão («disciplina é, cada vez mais, autodisciplina», defende o psicólogo brasileiro Lino de Macedo, especializado em Piaget, em entrevista de 2005) e outra parte é construída (continuada) na escola.
A escola, a pedagogia e o docente nunca substituirão a necessidade de disciplina por parte de quem aprende, para que possa aprender mais e melhor. O trabalho intelectual exige rigor e disciplina.
Para o psicólogo já citado, a disciplina desenvolve atitudes como a concentração, a responsabilidade e o interesse, que se transformam em ferramentas pessoais e de trabalho. É ainda um «instrumento sem o qual as coisas não acontecem - ou acontecem fora do prazo ou dos padrões.»
A disciplina parece hoje uma palavra feia e incómoda. Tal deve radicar ainda nos nossos traumas da ditadura, ainda tão próxima, historicamente, e tão presente na mentalidade portuguesa. Mas, disciplina não tem de significar ditadura ou fascismo. Não tem de ser negativa. Não tem que ser ferramenta de opressão, medo ou terror. Já não estamos no tempo da disciplina através da punição física e da autoridade não democrática. Disciplina (do latim discipulus+discere: ensinar, educar o discípulo, que é uma pessoa que tem alguém como modelo ou referência) não é punir fisicamente.
O que eu percebo é que a indisciplina também pode ser ditatorial. Como pode um, dois ou três alunos ditarem e imporem a indisciplina a toda uma comunidade de aprendizagem, violando o direito de todos os outros ao bom ambiente e ao bom decorrer do processo de ensino-aprendizagem? Será isso a escola nova, a pedagogia nova que alguns pretendem?
Nem ditadura do professor, nem ditadura de quem aprende. Porquê querer passar de um extremo para o outro? Por outro lado, os adultos não podem esquecer que a disciplina e as regras são necessárias e têm a responsabildade de dar referências claras à nova geração, sem complexos. Para que se tornem pessoas autónomas, autodeterminadas, equilibradas e integradas socialmente.
Quando a abordagem democrática (negocial, dialogante, comunicativa, compreensiva e sensível aos problemas sociais e emocionais de cada um) não tem sucesso e não chama à razão o indivíduo, é preciso atalhar caminho e impedir que a indisciplina individual se torne fascizante e se transforme numa ditadura, fonte de opressão e medo sobre toda uma comunidade de aprendizagem (seja na forma de turma ou outro tipo de grupo), com prejuízo das aprendizagens de todos.
Um pedagogo prático muito conhecido (não revelo o nome por ter resultado de uma conversa particular), de esquerda, disse-me que, na dúvida, mais vale "exagerar" na disciplina do que o contrário. Um pouco de disciplina a mais nunca fez mal a ninguém. Disciplina a menos tem feito mal a muita gente.
Contudo, há correntes pedagógicas que têm dificuldades em lidar com a questão da indisciplina. O assunto é lateralizado. Espera-se que a indisciplina se resolva por si, espontaneamente, apenas com boa vontade, prevenção e negociação.
Que se resolva quando tudo o resto funciona bem no processo de ensino-aprendizagem, como se o contexto social, o meio envolvente tudo devessem resolver e dispensassem a vontade (autodeterminação) do próprio indivíduo (cidadão), como se este fosse um ser neutro, sem capacidade de autodisciplina, mesmo quando estimulado, democraticamente.
É como se a disciplina pessoal brotasse, naturalmente, da relação de respeito ou da negociação e contratualização democráticas das regras de convivência construídas (aceites) por todos. Acredito que aconteça e o ideal seria assim, mas a natureza humana nem sempre o permite, nem sempre se autodetermina e autodisciplina.
Como nem sempre é respeitado o que é construído democraticamente, «primeiro, tenta-se convencer [negociar,] o último recurso é impor», diz Lino Macedo. A não observação das regras implicará sanções ou perdas. Disciplina é ter um comportamento subordinado a regras.
Um professor, após aplicar as estratégias dialogantes, não pode passar todo um ano lectivo a tolerar indisciplina numa comunidade de aprendizagem, com prejuízo do direito dos outros alunos que querem aprender. É preciso resolver em tempo útil.
Quando a instância familiar falha no contributo para a solução, quando falha a vontade do próprio, a escola deve enquadrar esse aluno indisciplinado em serviços de tutoria e/ou de acompanhamento (social e emocional) até que tenha competências sociais mínimas para integrar o grupo de aprendizagem e aprofundar essas competências no contexto social do grupo. Porque este contexto social da turma nem sempre é capaz de amortecer e absorver os comportamentos indisciplinados. Muito menos só pela acção do professor isolado na sala de aula (em exclusão).
As posições extremadas e os radicalismos, sejam eles quais forem, de direita ou de esquerda, tendem a esquecer o bom senso e algumas verdades básicas (realistas). É preciso haver acordo no fundamental.
(Em breve, publicaremos texto sobre a centralidade do trabalho no processo de ensino aprendizagem).
domingo, novembro 11, 2007
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