terça-feira, janeiro 06, 2009

Pedintes de reconhecimento

Riscos no carro é um dos "reconhecimentos" que os professores por vezes obtêm.

Há estudiosos do comportamento humano que sublinham como é fundamental para a saúde emocional a expressão de reconhecimento por parte dos outros.

Qualquer acto de reconhecimento genuíno do valor de outra pessoa é uma carícia que lhe damos. É o essencial da comunicação entre as pessoas: comunicamos para obter reconhecimento do nosso valor como pessoa (o outro diz-me que valho a pena).

Isto a propósito dos docentes serem pedintes de reconhecimento. Raramente o têm. A actualidade demonstra que até o topo da hierarquia (Ministério da Educação) apostou na desvalorização da imagem dos docentes portugueses perante a opinião pública, para abrir caminho político e legitimar o corte nos salários e na carreira. Não fazem ideia do mal que fizeram e estão a fazer. São feridas que irão levar muitos anos a sarar devido a uma acção negligente se não intencional. Ler mais adiante para perceber porquê.

Pelo contrário, além (de uma forma geral) os professores não terem esse reconhecimento social, estão sujeitos a bofetadas de ingratidão constantes. E aqui vamos falar em concreto, sem subterfúgios. E não quero suscitar a ideia do coitadinho relativamente aos professores porque não o são nem querem ser. Apenas ilustrar a realidade. As coisas são como são.

Os dias 16 e 17 de Dezembro foram dedicados à avaliação com os alunos. No dia 17 riscou-se o carro de um professor na escola. Eis um exemplo das bofetadas que o professor está sujeito, que ainda por cima implicam prejuízo financeiro. Deve contar-se entre os privilégios de que acusam os professores determinados opinion makers...

Outro exemplo. No ano lectivo passado, depois de ter feito um investimento financeiro e pessoal para estar num congresso fora da Madeira e preparar-me para a aplicação de determinado modelo pedagógico, fartei-me de apanhar bofetadas de ingratidão que, apesar de me considerar realista, nunca pensei que jovens adolescentes fossem capazes de concretizar. O facto de o professor aplicar uma "nova" metodologia foi utilizado por alguns para o pôr em causa e justificar a sua atitude negativa perante o trabalho escolar e a sua indisciplina pessoal.

Por isso, nesta profissão - tenho termos de comparação porque já desempenhei outras bem diferentes (era muito mais reconhecido e não precisava de trabalhar tanto como na docência...) - habituei-me, contra-natura (como perceberá se ler até final este texto), a apostar na motivação interior (brio profissional) para fazer as coisas, para não estar dependente do reconhecimento de terceiros. Em especial num país e numa Região onde se deitam as pessoas abaixo para não serem melhores.

Optei por esta estratégia, não sei se bem se mal, porque se estivesse dependente de reconhecimento por parte de estudantes, encarregados de educação ou hierarquias para ir trabalhar há muito que teria desistido de ir trabalhar.

«Não esperes por uma cerimónia de entrega de prémios, promoção ou que um amigo ou mentor mostre apreço pelo teu trabalho», escreveu Denis Waitley. «Orgulha-te dos teus próprios esforços, diariamente.»

Daí pensar que devemos depender de estímulos nossos, interiores, éticos, valores que nos estruturam, porque estão mais protegidos, conferem maior estabilidade e se governam a si próprios. Se, por acaso, houver reconhecimento e estímulo exterior, por parte de outros, é apenas um bónus. É nivelar as expectativas por baixo.

As pessoas não têm noção de quanto doloroso e desestruturante pode ser não obter reconhecimento pela sua actividade, seja ela profissional ou outra. Uma forma de penalizar outra pessoa é desprezá-la, ignorá-la, não reconhecer as suas acções, esforço e investimento. Não demonstrar apreço.

Se falta o reconhecimento, as pessoas substituem-no muitas vezes por dependências como o consumismo, alcoolismo, toxicopendências, entre outros, e podem revelar comportamentos disfuncionais para obter atenção e carícias. «O cabaz de carícias tem de estar cheio ao final do dia», referia há tempos o pedagogo/psicólogo José Augusto Fernandes. E rematava: «Se não está cheio estou em risco de vida.»

Precisamos ter a quem agradar e quem nos reconheça, como de pão para a boca. O reconhecimento é o pão do corpo emocional. Precisamos de estar vinculados.

O mesmo José Augusto Fernandes dizia ainda outra verdade elementar: «é no dia-a-dia que a gente se trama e se faz feliz.» No tal encher diário do cabaz das carícias. Somos felizes quando sabemos que temos valor.

Muitos professores acabarão por compensar a necessidade de reconhecimento ao nível da vida pessoal ou de acção pública. Por incrível que pareça, recebe-se mais reconhecimento pelo que se escrevinha num espaço virtual do que na realidade da actividade docente...
Já me deram mais oportunidades (inclusive salariais) quando trabalhei no estrangeiro, numa função bem mais modesta, do que aqui como professor...

Quando assumi, em certa época, uma função jornalística, alguém me disse que era o «homem forte da Calheta»... Sem ter, na altura, provado rigorosamente "nada". Apenas por ter uma caneta e um bloco de notas.

Para além do que ficou dito, uma das coisas que me mantém na profissão, além do aspecto prático da sobrevivência, é o desafio intelectual da inovação no âmbito da autonomia profissional que tem o professor: «direito à autonomia técnica e científica e à liberdade de escolha dos métodos de ensino, das tecnologias e técnicas de educação».

Para terminar, cito um pedagogo brasileiro, um sábio da vida, a propósito do espaço da inovação na docência ser como um brinquedo para mim:

«O objectivo da vida não é ser útil. As coisas úteis, quando velhas, ficam inúteis. Inúteis, são jogadas fora. Mas o objectivo da vida não é a utilidade. É a feliz inutilidade do brincar. Brinquedo é uma actividade inútil a que nos entregamos por causa da alegria que ela nos dá. Brinquedo é tempo sem passado, tempo sem futuro, presente puro - a eternidade num momento. Brinquedo é o tempo do prazer: corpo com asas. O prazer e a alegria moram na inutilidade. [Rubem Alves: As cores do crepúsculo, Asa-2004 ]

/nélio sousa/

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