quarta-feira, dezembro 26, 2007

Violência e coisas mais camufladas na escola III

A escritora Alice Vieira escreveu um texto no JN (9.12.2007), intitulado Violência nas escolas, que abaixo reproduzimos.

Já tínhamos aqui abordado a questão (Violência camuflada I e Violência camuflada II) e preocupa, sobretudo, a violência camuflada, socialmente invisível, normalizada, desculpabilizada e escondida. Aí encontram-se a violência moral e a violência emocional, que mais danos inflingem, embora invisíveis.

Alice Vieira confirma algumas das nossas preocupações face a esse estado de coisas:

«Li num jornal que a senhora ministra da Educação está contente. E, quando os nossos governantes estão contentes, é como se um sol raiasse nas nossas vidas.

E está contente porque, segundo afirmou, a violência nas escolas portuguesas, afinal, não existe.

Ao que parece, andamos todos numa de paz e amor, lá fora é que as coisas tomam proporções assustadoras, os nossos brandos costumes continuam a vingar nos corredores de todas as EB, 2/3, ou como é que as escolas se chamam agora. Tenho muita pena de que os nossos governantes só entrem nas escolas quando previamente se fazem anunciar, com todas as televisões atrás, para que o momento fique na História. É claro que, assim, obrigada, também eu, anda ali tudo alinhado que dá gosto ver, porque o respeitinho pelo Poder é coisa que cai sempre bem no coração de quem nos governa, e que as pessoas gostam de ver em qualquer telejornal.

Mas bastaria a senhora ministra entrar incógnita em qualquer escola deste país para ver como a realidade é bem diferente daquela que lhe pintaram ou que os estudos (adorava saber como se fazem alguns dos estudos com que diariamente se enchem as páginas dos jornais) proclamam. É claro que não falo daquela violência bruta e directa, estilo filme americano, com tiros, naifadas e o mais que houver.

Falo de uma violência muito mais perigosa porque mais subtil, mais pela calada, mais insidiosa.

Uma violência mais "normal".

E não há nada pior do que a normalização, do que a banalização da violência.

Violência é não saberem viver em comunidade, é o safanão, o pontapé e a bofetada como resposta habitual, o palavrão (dos pesados…) como linguagem única, a ameaça constante, o nenhum interesse pelo que se passa dentro da sala, a provocação gratuita ("bata-me, vá lá, não me diga que não é capaz de me bater? Ai que medinho que eu tenho de si…", isto ouvi eu de um aluno quando a pobre da professora apenas lhe perguntou por que tinha chegado tarde…)

Violência é a demissão dos pais do seu papel de educadores - e depois queixam-se nas reuniões de que "os professores não ensinam nada".

Porque, evidentemente, a culpa de tudo é sempre dos professores - que não ensinam, que não trabalham, que não sabem nada, que fazem greves, qualquer dia - querem lá ver? - até fumam…
Os seus filhos são todos uns anjos de asas brancas e uns génios incompreendidos.

Cada vez os pais têm menos tempo para os filhos e, por isso, cada vez mais os filhos são educados pelos colegas e pela televisão (pelos jogos, pelos filmes, etc.). Não têm regras, não conhecem limites, simples palavras como "obrigada", "desculpe", "se faz favor" são-lhes mais estranhas do que um discurso em Chinês - e há quem chame a isto liberdade.

Mas a isto chama-se violência. Aquela que não conta para os estudos "científicos", mas aquela da qual um dia, de repente, rompe a violência a sério.

E então em estilo filme americano.

Com tiros, naifadas e o mais que houver.»


Recorde-se, a propósito:
-Violência e coisas mais camufladas nas escolas II
-Educação infantil em Portugal
-Estudantes, escolantes e faltantes
-Violência e coisas mais camufladas nas escolas I
-Sem título 2
-Sem título 1
-Idealismo e equívocos sobre a assiduidade escolar
-Primeira responsabilidade
-A mais grave discriminação (anti-democraticidade)
-Condições de trabalho
-Nem ditadura por disciplina nem a ditadura da indisciplina

E ainda:
-Insucesso escolar vem de longe 3
-Insucesso escolar vem de longe 2
-Insucesso escolar vem de longe 1

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